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chamados a amar os pobres. Aliás, é bem conhecida a forma de amar
          do Filho de Deus, e João recorda-a com clareza. Assenta sobre duas
          colunas mestras: o primeiro a amar foi Deus (cf. 1 Jo 4, 10.19); e
          amou dando-Se totalmente, incluindo a própria vida (cf. 1 Jo 3, 16).
          Um amor assim não pode ficar sem resposta.
            Apesar de ser dado de maneira unilateral, isto é, sem pedir nada em
          troca, ele abrasa de tal forma o coração, que toda e qualquer pessoa se
          sente levada a retribuí-lo não obstante as suas limitações e pecados.
          Isto é possível, se a graça de Deus, a sua caridade misericordiosa, for
          acolhida no nosso coração a pontos de mover a nossa vontade e os
          nossos afetos para o amor ao próprio Deus e ao próximo. Deste modo
          a misericórdia, que brota por assim dizer do coração da Trindade,
          pode chegar a pôr em movimento a nossa vida e gerar compaixão e
          obras de misericórdia em prol dos irmãos e irmãs que se encontram
          em necessidade.

            «Quando um pobre invoca o Senhor, Ele atende-o» (Sl 34/33, 7).
          A Igreja compreendeu, desde sempre, a importância de tal invocação.
          Possuímos um grande testemunho já nas primeiras páginas do Atos
          dos Apóstolos,  quando  Pedro  pede  para  se  escolher  sete  homens
          «cheios do Espírito e de sabedoria» (6, 3), que assumam o serviço
          de  assistência  aos  pobres.  Este  é,  sem  dúvida,  um  dos  primeiros
          sinais com que a comunidade cristã se apresentou no palco do
          mundo: o serviço aos mais pobres. Tudo isto foi possível, por ela ter
          compreendido que a vida dos discípulos de Jesus se devia exprimir
          numa fraternidade e numa solidariedade tais, que correspondesse ao
          ensinamento  principal  do  Mestre  que  tinha  proclamado  os  pobres
          bemaventurados e herdeiros do Reino dos céus (cf. Mt 5, 3).


            «Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos,
          de acordo com as necessidades de cada um» (At 2, 45). Esta frase
          mostra, com clareza, como estava viva nos primeiros cristãos tal pre-
          ocupação. O evangelista Lucas – o autor sagrado que deu mais espa-
          ço à misericórdia do que qualquer outro – não está a fazer retórica,



          86              GRAÇAS DO PADRE CRUZ SJ
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